A magia dos relacionamentos virtuais
Andréia Schmidt
Os tempos mudaram. Há alguns anos, as amizades – ou algo mais – começavam quando as pessoas se encontravam (fosse do jeito que fosse), conheciam-se e achavam que tinham algo a ver. Mesmo que a amizade se desenvolvesse por telefone ou por carta, o mínimo que poderia esperar é que as pessoas se conhecessem ao vivo. Namoro com um desconhecido? Isso era considerado “loucura” ou um tipo de romantismo completamente fora de moda. Eis, então, que surge a Internet e tudo isso parece virar de cabeça para baixo. Quem costuma navegar na rede sabe: as salas de bate-papo vivem lotadas, cheias de gente querendo se conhecer, conversar, trocar informações. Muitos garotos e garotas varam madrugadas nos fins de semana (ou, às vezes, durante a semana mesmo) conversando com gente que nunca viram e, talvez, nunca venham a conhecer de verdade. Mas, o que há de verdade nesse mundo de relações virtuais? Nomes viram “nicks” (Tigrão, Sarado, Lulu96, etc.), o português escrito, uma salada de abreviações, incompreensível para os não-iniciados, e aquele papo de “moreno, alto e de olhos verdes” nem sempre é muito confiável. Ainda assim, esses relacionamentos virtuais parecem encantar garotos e garotas de todo o mundo, até mesmo aqueles que, na vida real, encontram dificuldades enormes para estabelecer qualquer tipo de relacionamento. Parece até que há um encanto especial em conhecer pessoas sem conhecê-las de fato. E há.
Talvez a magia esteja em poder se mostrar ao outro não do jeito que se é, mas como gostaria de ser. Pela rede, é possível ser bonito, desinibido, engraçado, conquistador ou qualquer outra coisa que se queira. Tudo isso com um risco mínimo, já que a pessoa do outro computador não tem a menor ideia de com quem está conversando. O problema aparece quando essa espécie de brincadeira de “ser quem não é” se torna a única fonte de relacionamentos de uma pessoa. Há muita gente que, devido à timidez ou à baixa autoestima, tem uma série de dificuldades em começar ou manter amizades e relacionamentos amorosos reais. A Internet, então, passa a ser para elas a única maneira de entrarem contato com as pessoas.
A princípio, isso até pode parecer bom, afinal, a rede significa uma oportunidade de relacionamento social que a vida real não proporciona. No entanto, quando a pessoa começa a viver em função da personagem que cria para si mesmo e que apresenta na rede para as pessoas, isso pode se tornar um problema sério, pois a realidade começa a ficar cada vez mais difícil. Em vez de resolver um problema, esse tipo de comportamento acaba agravando o já existente e criando outros, pois os relacionamentos dessas pessoas nunca se concretizam na realidade. As pessoas que agem dessa maneira passam a se afastar cada vez mais da realidade, e os relacionamentos reais vão ficando cada vez mais difíceis; como as dificuldades em se relacionar cara a cara com as pessoas aumentam, elas passam mais e mais tempo na rede, e o problema vira uma bola de neve.
Apesar disso, conhecer pessoas pela Internet pode ser uma experiência muito interessante, principalmente se você tomar algumas precauções:
- O óbvio: não acredite em tudo o que as pessoas dizem nos chats. Muita gente fica encantada com belos discursos ou promessas de paixões devastadoras sem jamais ter colocado os olhos no(a) autor(a) das palavras. Isso aumenta o risco de desilusões e de problemas futuros. Um pé atrás não faz mal a ninguém.
- Não dê informações detalhadas sobre você na rede, como endereço, telefone ou particularidades sobre sua rotina para pessoas que não conhece. Há vários casos documentados de pessoas que entram em salas de bate-papo para saber informações a respeito de pessoas por motivos nada amistosos (seqüestradores ou pessoas que costumam abusar sexualmente de crianças e adolescentes).
- Não troque os seus relacionamentos reais pelos virtuais. Analise se você não passa mais tempo conversando com desconhecidos na Internet do que com as pessoas com quem convive. Se isso estiver acontecendo, é o momento para parar e pensar sobre o porquê dessa preferência.
Um relacionamento virtual pode ser incrível, mas ele não deve substituir a realidade. Talvez o que torne os relacionamentos virtuais realmente mágicos seja exatamente a possibilidade de eles virarem relacionamentos reais, pois só o convívio pode proporcionar algumas surpresas. Ou você já ouviu falarem “paixão à primeira teclada”?
Fonte
Para refletir
O direito ao delírio
Eduardo Galeano
Que tal começarmos a exercer
O direito de sonhar?
Que tal se delirarmos um pouquinho?
No próximo milênio, o ar estará limpo
de todo o veneno
O televisor deixará de ser
o membro mais importante da família
As pessoas trabalharão para viver,
em vez de viver para trabalhar.
Os economistas não chamarão
nível de vida o nível de consumo,
nem chamarão qualidade de vida
a quantidade de coisas.
Ninguém será considerado herói
ou tolo só porque faz aquilo que
acredita ser justo, em vez de fazer
aquilo que mais lhe convém.
A comida não será uma mercadoria,
nem a comunicação um negócio,
porque comida e comunicação
são direitos humanos
A educação não será um privilégio
apenas de quem possa pagá-la
A polícia não será a maldição daqueles
que não podem comprá-la.
A justiça e a liberdade,
irmãs siamesas
condenadas a viverem separadas,
voltarão a juntar-se, bem unidas
ombro com ombro.
E os desertos do mundo e os desertos da alma serão reflorestados
Eduardo Hughes Galeano
Montevidéu, Uruguai
03 de setembro de 1940